Em dezembro de 2023 estivemos à conversa com a atriz e dona de obra Ana Varela e agora, passados seis meses, voltámos a conversar com ela aquando da Tektónica. A Ana Varela já está a viver na sua “Casa no Campo”, construída segundo os princípios Passive House, e traz-nos a sua experiência!
Margarida Gamboa (MG) – Construíste uma casa segundo os princípios Passive House, a tua “Casa no Campo”. Já estás a morar lá desde…
Ana Varela (AV) – Dezembro. Já estou a respirar Passive House e a sentir os seus benefícios.
MG – Como é que é viver numa casa com os princípios Passive House?
AV – Primeiro é uma experiência bastante diferente de uma habitação dita normal ou de todas as casas onde já vivi. O primeiro impacto gigante é o isolamento térmico. Na zona onde eu vivo conseguimos chegar facilmente a temperaturas de 4, 6 graus lá fora no inverno e assim que abrimos a porta de casa e entramos a casa está quentíssima. E essa temperatura mantém-se realmente constante ao longo das oscilações térmicas cá fora. E observar isso, ou seja, a nossa casa está sempre protegida termicamente, é realmente confortante.
Eu lembro-me de viver em casas onde estava muito frio lá fora e, às vezes até temos a sensação térmica de ainda estar mais frio dentro de casa, e nesta realmente não passei por isso. Além disso, é interessante porque não tenho nenhuma fonte de aquecimento em casa ainda. É o primeiro ano da casa e eu ainda estou a avaliar como ela se comporta termicamente, então ainda não tomei a decisão de que fonte de aquecimento colocar, onde vou colocar e se vou colocar. Então foi interessante ver a casa ganhar temperatura só com a utilização diária e a mantê-la termicamente.
Agora estão a chegar os dias mais quentes e é bom observar que essa temperatura interior se mantém e para isso contribui sem dúvida a parte do isolamento térmico, investi imenso, não só em todas as paredes, na envolvente opaca toda, como nas betonilhas, como na cobertura, tudo foi isoladíssimo e as pontes térmicas diminuídas ao máximo. Claro que estamos a falar de uma recuperação, não é uma Passive House construída de raiz, mas sim uma recuperação de uma casa já existente.
“Em dezembro a obra terminou e eu mudei-me. E desde dezembro que eu simplesmente existo na casa. Eu não aqueci propositadamente a casa e ela tem mantido esta temperatura entre os 18º e, agora nestes dias mais quentes, os 22º. E não tem nem descido, nem subido.”
MG – O que levanta ainda mais desafios?
AV – Levanta muitos desafios, principalmente nesta questão das pontes térmicas. Sendo uma casa com pedra antiga tem muitas paredes de alvenaria mas também tem muitas paredes de pedra antiga, de blocos de pedra antiga. E porque eu quis muito esteticamente manter as fachadas de pedra antiga em algumas paredes ainda tive maiores desafios porque entre as passagens da parede de alvenaria, e que estão isoladas termicamente para o exterior, para as passagens de parede com pedra que teriam de ser isoladas pelo interior, tenho sempre de eliminar essas pontes térmicas. Além de que estamos a falar de uma estrutura que já é existente há muito tempo e que teve de ser toda isolada e tratada corretamente.
MG – Lembro-me de quando falámos a primeira vez, quando fizemos a primeira entrevista, a primeira questão que tu destacavas na Passive House era o desempenho e depois falaste do conforto. Agora estás a falar um pouco na ordem inversa, mas ao mesmo tempo estás a falar que não usaste nenhum tipo de aquecimento durante o inverno. Como é que a casa se comporta em termos de eficiência?
AV – O gasto energético que eu tenho no pico do inverno é exatamente o mesmo que eu tenho neste momento. Não consigo fazer a separação, ou seja, na realidade para aquecimento da casa eu não gastei nada porque eu não fiz nada especificamente para o aquecimento da casa. Nós fechámos a casa em setembro e depois ainda existiu obra. Em dezembro a obra terminou e eu mudei-me. E desde dezembro que eu simplesmente existo na casa. Eu não aqueci propositadamente a casa e ela tem mantido esta temperatura entre os 18º e, agora nestes dias mais quentes, os 22º. E não tem nem descido, nem subido.
Eu não fiz nada para aquecer nem para arrefecer. Claro que, conta muito a questão do isolamento, as janelas eficientes, mas também conta muito o sistema de ventilação com recuperação de calor, talvez aí seja a única coisa que propositadamente está a trabalhar com o aquecimento ou com o arrefecimento da casa.
MG – Mas também que te renova o ar que tens dentro de casa, estás a respirar saúde.
AV – Exatamente. Realmente eu tinha estudado a ventilação mecânica controlada e os seus benefícios, mas efetivamente viver numa casa com VMC é toda uma nova experiência. Primeiro a zona onde eu vivo é super húmida, e aconteceu uma ou duas vezes a máquina não ficar ligada durante a noite, e no dia a seguir escorria mesmo água pelas janelas.
MG – É o que acontece na maioria das casas.
AV – É o que acontece em todas as casas. Então aí percebes mesmo o impacto e o benefício de ter um sistema de ventilação mecânica controlada e fazes esta gestão eficiente da troca de ar e tem este sensor de humidade que nivela e controla o nível de humidade dentro de casa. Além disso, é um ar filtrado, um ar limpinho, e tu sentes isso.
MG – Voltando um pouco atrás, na altura em que falámos a primeira vez, estavas ainda no início da construção, dos desafios de construir que tem aqui a ver com a instalação e a execução. Agora que terminaste a obra, como é que os ultrapassaste?
AV – Isto foi mesmo uma teimosia minha, querer fazer uma Passive House. A primeira vez que ouvi falar de uma Passive House foi com a arquiteta Tânia Martins, da Homestories, e de repente eu decidi que queria fazer uma Passive House. Quando ninguém à minha volta sabia sequer o que era uma Passive House, a engenheira que levou a cabo esta obra nunca tinha feito uma Passive House, então isso foi efetivamente o desafio. O maior desafio foi conseguir implementar em obra conceitos com os quais as equipas não estão familiarizadas.
Eu dizia que precisava de isolamento e respondiam-me “mas porque é que precisa de isolamento térmico se isso são paredes de pedra enormes que vão controlar imenso a temperatura dentro de casa?” e eu respondia que “paredes de pedra têm imensas fissuras, entra ar e vento por todo o lado, não são nada isoladas e eu preciso de isolamento térmico, até porque eu não quero gastar rios de dinheiro a aquecer ou arrefecer esta casa”. Essa foi a grande dificuldade.
Por exemplo, estanquidade ao ar, a maior parte das pessoas das equipas nunca ouviram falar. Quando eu pedia às equipas para rebocar a alvenaria toda por dentro, incluindo tetos, eles riram-se de mim, “ó menina como é que quer rebocar tetos?”.
Esse foi efetivamente o grande, grande desafio, mas com algum jogo de cintura, com um sorriso e muitas vezes colocando-me a trabalhar ao lado deles, lá consegui que ouvissem o que tinha a dizer, também com os parceiros e a explicar.
“Decidi fazer uma Passive House pensando no desempenho energético da casa e acabo por constatar que o melhor do desempenho energético é efetivamente o seu conforto.”
Lembro-me perfeitamente do Jorge (1’61 Janelas Termoacústicas) falar com o mestre de obra e explicar como é que a janela tinha de ficar e porque é que seria tão importante reunir aqueles requisitos, porque ninguém estava muito familiarizado com a colocação de pré-aros nas janelas. Mas nós gastamos um dinheirão em janelas com corte térmico e depois fazemos uma instalação mecânica, colocamos um cordão de silicone, e achamos que está tudo certo. Não está. Se queremos janelas eficientes, não só o material como a sua instalação tem de ser eficiente também.
MG – E próximos passos, o que é que falta?
AV – Agora a casa está operacional e todos os requisitos estão cumpridos. Estavas a dizer que eu decidi fazer uma Passive House pensando no desempenho energético da casa e acabo por constatar que o melhor do desempenho energético é efetivamente o seu conforto. E mesmo as pessoas que visitam a casa, essa é a primeira constatação. E depois tens outra coisa: nós achamos todos que as soluções mais ecológicas são todas tecnicamente pouco interessantes. Assim um mito que as pessoas têm. Não sentes isso?
MG – Sim. Algo que a Passivhaus Portugal desmistifica é que é uma Passive House pode ser construída com qualquer tipo de material e qualquer tipo de design. Tem a ver com um padrão quantitativo efetivo, com desempenho. Claro, com alguns limites, mas muito versátil. Basta passar depois pelo teu Youtube ou pelo teu Instagram e ver os vídeos da tua casa para perceber que é lindíssima e não tem nada de feio.
AV – Uma Passive House pode ser bonita esteticamente. Uma casa é o resultado de quem a constrói, das escolhas, principalmente da parte dos acabamentos. Eu escolhi um Mortex em termos de revestimentos, que é o nível acima do microcimento, que tem uma pegada carbónica que não é tão interessante. O Mortex é uma solução mineral com o acabamento muito idêntico ao microcimento e então consegui ter a mesma beleza de acabamento com um material com uma pegada carbónica muito mais reduzida. Portanto, as soluções elas existem, cada vez existem mais, e conseguimos perfeitamente uma casa com desempenho energético muito bom e bonita na mesma.
MG – Já percebi que há vários passos mas a casa é tão confortável que perdeste a pressa.
AV – Exato, eu tinha muita pressa e na realidade eu fiz esta construção em 6 meses. Quando eu conto que comecei uma obra e estava a viver dentro de uma casa 200m2 em seis meses é uma loucura. Então é quase como se eu tivesse gasto toda a minha energia naqueles seis meses. E agora já estou lá a viver, já estamos tranquilos em casa. Portanto, agora faltam os exteriores, falta o terraço, falta-me as varandas, o jardim, a adega, que quero muito recuperar. Ainda existem alguns desafios, mas quando eu decidi este projeto não queria só construir uma casa e pronto. É um projeto com inúmeras coisas.
MG – Ainda me lembro de falarmos que tem aqui muita ligação à tua infância, à vida do campo, ao estilo de vida que tu queres ter e que andavas à procura.
AV – É um projeto de voltar ao campo, a este estilo de vida da minha infância. Claro que está totalmente alinhado com uma Passive House, ou seja, a casa principal está recuperada, estamos a viver lá com estes princípios de sustentabilidade na construção civil, agora falta o resto do projeto.
O próximo passo é sem dúvida a horta, depois levar a Passive House um bocadinho mais além. Como te disse procuro autossuficiência energética, vou começar agora a dar os primeiros passos em soluções da minha própria energia através da cobertura, energia solar, também posso experimentar eólica, é uma zona com bastante vento.
Na realidade era como os meus avós viviam, estou a tentar voltar lá atrás por isso é que eu falo no regresso às origens.
MG – Ana, muito obrigada. Vamos continuar a acompanhar-te com toda a certeza.
Nota: podem ler e ouvir a anterior conversa com a Ana Varela publicada em dezembro de 2023 aqui.