Estivemos à conversa com a atriz e dona de obra Ana Varela, em julho passado, quando estava a iniciar a obra da sua ‘Casa no Campo’. A Ana é uma defensora da sustentabilidade em todos os ramos da sua vida e, quando pensou em reabilitar esta casa em ruínas, procurou a forma de o fazer que fosse de encontro aos seus princípios. E encontrou a Passive House!
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Margarida Gamboa (MG) – Ana, estás a fazer a reabilitação de uma casa com os princípios Passive House. Que casa é esta?
Ana Varela (AV) – Há muito tempo, há cerca de 8 anos, que eu ando à procura de uma casa que se alinhasse com este sonho de voltar para o campo. Eu nasci numa aldeia muito pequenina, muito parecida com esta, e realmente quem nasce numa aldeia e passa parte da infância a andar descalça, a subir às árvores, a vasculhar a floresta, com os meus primos e irmão, fica com um bichinho para sempre.
A vida levou-me para a cidade mas agora sinto muita vontade de voltar para esta calma, este meio mais pequeno e fugir da agitação da cidade. Acabei por encontrar aqui na zona de Arruda dos Vinhos, a 25 minutos de Lisboa, uma casa que já estava construída. É uma reabilitação com r/C e 1º andar: meio ruína em pedra antiga, meio uma outra parte mais nova. Vi e apaixonei-me. Com uma envolvente natural incrível, com uma população adulta de árvores grande! Não é um projeto que tinha de começar do zero, até porque não me interessa só a casa. O objetivo de voltar ao campo é até viver muito fora da casa. Realmente os critérios foram esta envolvente natural, condições para a agricultura, com uma pequena horta, e a casa em si.
A casa interessou-me pelos diferente materiais, sobretudo a pedra, mas queria fazer a sua reabilitação de uma forma consciente, principalmente na utilização dos materiais, e queria muito pensar a eficiência energética, principalmente para que fosse termicamente confortável, para não “morrermos” de frio no inverno e no verão não conseguimos lá estar com o calor. E também por uma questão de pensar o seu abastecimento em termos energéticos, porque quanto mais amplitude e desconforto térmico tem a casa, maior o gasto de energia e, consequentemente, financeiro.
Então encontrei o conceito Passive House, que me fez todo o sentido. Automaticamente pensei: eu tenho de fazer esta reabilitação segundo os pilares da Passive House.
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MG – Como é que descobriste o padrão?
AV – Foi através de uma publicação da arquiteta Tânia Martins, que acabou por ser a arquiteta que assina este projeto, em que ela contava que era oficialmente Passive House Designer. Quanto fui ler o artigo e procurar mais informação estava em completa sintonia com aquilo que eu quero. Porque a sustentabilidade não é algo que fique estanque a uma hora da tua vida: aplica-se ao supermercado, à alimentação, ao teu consumo de água, mobilidade, e tinha de trazer isso para a forma como ia reconstruir a casa.
A sustentabilidade é transversal a todas as áreas e assim é que tem de ser. Quando eu pensei em reconstruir uma casa tinha de ser sob estes princípios.
Tenho vários materiais diferentes, e para cada zona com materiais diferentes tenho de ter soluções diferentes. E isso envolve um esforço, por exemplo, na questão da estanquidade ao ar, nas paredes de pedra temos de ter uma solução, nas paredes em alvenaria outra. Estamos a duplicar soluções para garantirmos transversalmente a estanquidade da casa toda, para cumprir a regra do lápis, e nós estamos ao máximo, dentro da especificidade da reabilitação, a cumprir todos esses pilares. E não é que seja importantíssimo ter o certificado comigo. É mais porque eu sei que durante a utilização da casa eu vou ter os resultados disso.
Todas as minhas escolhas agora em obra, eu vou ter de lidar com elas no futuro.
Se eu me preocupar, e a grande fatia de investimento nesta casa é mesmo no isolamento térmico, vou ter os benefícios disso na sua utilização. Não vou ter um inverno tão frio dentro de casa, nem um verão tão quente. É isso que estamos à procura.
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MG – Quando leste sobre Passive House, qual foi o detalhe que te fez pensar que era mesmo este o caminho, que era distintivo?
AV – Foi mesmo a questão da eficiência energética. Porque tudo o que o isolamento ou as as janelas nos vão dar é eficiência energética, é eu precisar de muito pouca energia para manter o conforto térmico dentro da casa. E é isso que todos nós procuramos. Eu vou também tentar a autossuficiência energética nesta casa, com painéis fotovoltaicos e solução de aquecimento de águas. Se eu vou produzir a minha energia eu também quero gastar o mínimo da energia para manter a casa. Quero que os custos energéticos de manutenção de casa estejam no mínimo. Está tudo interligado.
Para mim, a palavra de ordem numa Passive House é eficiência. E também conforto térmico.
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MG – Em que fase está este projeto?
Estamos ainda bastante no início (veja aqui o arranque deste projeto e o início das obras). A construção em Portugal tem os seus desafios e eu estou a conhecê-los todos. Estamos a rematar os vãos e a uniformizá-los para a empresa da caixilharia tirar as medidas finais. O parceiro 161 Janelas Termoacústicas vai executar as janelas com corte térmico, eficiência energética elevada, e com a fixação das janelas de forma a garantir a estanquidade ao ar.
Hoje em dia toda a gente está a instalar janelas com corte térmico mas há pouquíssima informação sobre a aplicação correta das janelas em si. Há muitos apoios europeus para essa mudança, porque realmente Portugal é um dos países onde mais se morre por condições desfavoráveis de temperatura em casa e isso é assustador. De nada nos vale ter uma janela com uma eficiência energética elevada se depois a sua fixação é feita de forma mecânica: aparafusou e colocou silicone. É óbvio que há pontes térmicas ali e que a eficiência energética da janela só por si não será suficiente. Vou assim instalar as janelas de uma forma que é certificada Passive House (veja aqui o vídeo sobre a instalação das janelas).
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MG – Já tens noção dos desafios de fazer uma Passive House?
AV – Sim, por exemplo para garantir a estanquidade ao ar temos de rebocar todas as paredes pelo interior. Para depois as que têm isolamento interior levarem a lã de rocha e o gesso cartonado. A empresa de construção com que estou a trabalhar está a fazer a sua primeira Passive House. Esta questão de multicamadas, multimateriais e garantir a estanquidade ao ar é uma coisa totalmente nova para eles. Eles não percebem porque é que eu tenho de rebocar as paredes todas por dentro se a seguir vou por lã de rocha e gesso cartonada.
Na casa de banho achavam que ia colocar uma grelha de ventilação. Tive de explicar que não, que a casa tem de ser totalmente estanque, e depois a VMC faz mecanicamente a extração e a insuflação de ar filtrado e pré-aquecido. Isto é tudo uma novidade!
Diria que o maior desafio é a construção civil em Portugal ainda ter o seu modo de fazer muito clássica e estes conceitos são todos muito novos. E aqui é desbravar caminho e partir pedra porque eu tenho mesmo de dizer que é uma opção minha, uma escolha minha para garantir a estanquidade ao ar.
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MG – Mas notas que há abertura depois da estranheza?
AV – Na realizada eu estou muito bem balizada. Tenho uma arquiteta Passive House Designer a acompanhar o projeto e depois os subempreiteiros, por exemplo, das janelas, do ETICS, são empresas que já estão habituadas a lidar com este tipo de obras. O que me ajuda um bocadinho a dar o enquadramento à empresa de construção civil que não está tão habituada.
Por exemplo, o Jorge da 161 Janelas Termoacústicas, está sempre à distância de um telefonema quando aqui o mestre de obras tem alguma dúvida sobre como deixar os vãos finalizados para colocar os pré-aros. E eles têm todos ajudado bastante a dar referências mais técnicas quando aqui colocam em causa estas opções.
Eu diria que uma das soluções seria dar formação aos empreiteiros para estas questões da eficiência energética porque eu acho que eles estão muito longe de pensar nisso na construção de uma casa.
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Notas finais:
Entrevista gravada em julho de 2023. Podem acompanhar novas fases do projeto aqui.
Projeto de Arquitetura e Passive House Design da Arq.ª Tânia Martins, do atelier Homestories.
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