A casa retangular, a imitar os antigos armazéns do sal que definiam a zona do canal de São Roque, em Aveiro, traz uma conjugação sui generis (e desafiante): método construtivo diferente, materiais mais sustentáveis e o padrão Passive House a atingir. Para Homero Leal, o dono de obra desta moradia familiar que apelida de “Casa do Carril”, este é um projeto pessoal que abraçou em todas as fases e nos conta agora como está a correr.
Margarida Gamboa (MG) – Como é que surge a ideia de construir esta casa e a ligação com a Passive House?
Homero Leal (HL) – Há quatro anos tive a ideia de construir uma casa com um método construtivo diferente, na base da madeira. Comecei a explorar essas ideias com a arquitetura até que, através do digital, me cruzei com o termo “Passive House”. Chamou-me a atenção e fui até à Conferência Passivhaus em Aveiro nesse ano. Foi um grande impulso e comecei a explorar o conceito; percebi que queria ir além do método construtivo diferente. Percebi que queria uma casa não só em madeira, mas eficiente e ecológica, e desafiei a arquiteta a entrar nesta “viagem”.
MG – Está a construir utilizando o método de Cross Laminated Timber (CLT) ou Madeira Laminada Cruzada, em português, e ainda se propõe atingir o padrão Passivhaus. São dois conceitos ainda em crescimento, não massificados em Portugal. Nesse sentido, como correu o projeto?
HL – A escolha do CLT não foi óbvia. No início queria madeira numa construção mais típica do centro da Europa, Canadá, EUA. Quando percebi as vantagens do CLT (madeira lamelada cruzada, menos espessura de paredes, etc.) e como era mais fácil atingir o padrão Passive House com ele, isso fez-me sentido. Não era tão desafiante.
A casa tem 190 m2 úteis, tem dois pisos e um telhado inclinado típico, como o dos antigos estaleiros do sal do canal de São Roque. É um padrão simples, retangular, para imitar esses mesmos armazéns que existiam no local. Essa simplicidade – ser retangular, apenas uma reentrância por exigência legal, sem varandas – eliminou todas as complexidades construtivas/arquitetónicas e tornou a execução mais fácil, garantindo que vamos cumprir os requisitos para ser uma casa passiva. Tudo isso facilitou.
Apenas para dar um exemplo da ligação dos dois conceitos, os painéis grandes no CLT são já estanques por si, com as emendas apenas vedadas com uma fita. Isso torna fácil tornar a casa estanque e era algo que não fazia ideia quando comecei.
MG – A escolha do CLT acabou por facilitar então atingir o padrão?
HL – Sim. Facilitou o aspeto estrutural, minimizou a quantidade de espaço necessário para as paredes estruturais (na maior parte da casa a parece estrutural tem 9cm). E não necessita de tanto isolamento; estamos a falar de 14 cm de lã de rocha que garantem o padrão Passive House. Como o terreno é estreito isto fez diferença, ganhou-se espaço de área em relação ao método tradicional.
MG – No conceito Passivhaus, quais os aspetos que mais lhe chamaram mais a tenção?
HL – A questão da estanquidade. Pode não ser tão óbvio e nunca tinha refletido sobre isso, mas o impacto que tem é enorme. O outro foi a questão das pontes térmicas.
Estes são os dois aspetos que não percebia bem e que ao explorar comprovei a sua enorme importância.
MG – A casa tem atualmente as paredes estruturais já montadas. Como tem corrido a construção?
HL – Será a minha habitação própria e também é um projeto pessoal, com muito investimento meu que sou um elemento ativo na construção (o que nada tem a ver com a minha área de trabalho habitual). Estou no projeto porque não é muito fácil encontrar executantes que estejam por dentro do padrão ou do CLT ou que já o tenham feito – pelo menos as duas coisas em conjunto. Então logo no início percebi que sendo um projeto pessoal (e gostando eu da área), o ideal seria colocar mãos à obra, com apoios pontuais ou para determinadas fases da obra.
É um desafio: não é só construir CTL, não são só materiais ou métodos construtivos diferentes. É isso tudo, mais garantir que estamos a executar da forma certa e de acordo com os princípios Passive House.
MG – Quais os timings de construção do projeto?
HL – Começámos em setembro de 2021, parámos e arrancámos novamente em Fevereiro (aqui ligado aos desafios dos preços da madeira), e desde essa altura estamos em ritmo regular. Prevejo que no final de 2022 já possa estar lá a morar.
MG – Em termos de resultados futuros quais são as suas expectativas?
HL – Um dos objetivos está indiretamente ligado à Passive House e é realmente cumprir um budget semelhante ao de uma casa “tradicional”. Quando comecei, pensei: «Quero fazer algo melhor e ao mesmo preço, ou até mais barato que uma construção tradicional». Estou a fazer a gestão de forma a otimizar preços e aproveitar as oportunidades de mercado.
Outro é validar que traz a tal poupança. O conforto não tenho qualquer dúvida, e daí também ter escolhido a madeira. A poupança é o que quero confirmar. Já tenho instalados alguns sensores de forma a comprovar que faz aquilo para o qual o projeto foi pensado. Para essas simulações foi utilizado o PHPP.
MG – E a certificação será algo a avançar?
HL – O que nós queremos é uma casa eficiente – a certificação será uma consequência. Se atingirmos o objetivo fazemos a certificação para validar.
Notas finais: esta entrevista foi realizada no final do mês de maio de 2022, com a casa em construção. À data de publicação já foi realizado pelo Itecons o teste inicial de estanquidade ao ar, com um resultado de 0,1 rph (bem abaixo do limite de 0,6 rph). Pode acompanhar a construção da Casa do Carril aqui.