Passive House Designer, Macarena Bohoyo começou a sua jornada enquanto trabalhava como diretora de obra numa empresa de construção, onde rapidamente se apaixonou pela abordagem holística do padrão Passive House.
Um dos seus projetos mais ambiciosos, a Casa Qualia, em Évora, está muito perto de se tornar o primeiro edifício em LSF certificado Passive House em Portugal. Fomos conhecer os desafios deste projeto e as expectativas de arquiteta e donos de obra.
Margarida Gamboa (MG) – Macarena, bem-vinda. Começava por te pedir que nos descrevesses um pouco mais sobre o que é a Casa Qualia. Que projeto é este?
Macarena Bohoyo (MB) – Este é um projeto que já nasceu, à partida, com o intuito de ser uma Passive House. Os donos de obra já tinham essa ideia em mente. É um projeto que tinha muitas condicionantes desde o início, porque tínhamos um timing muito apertado e algumas limitações a nível camarário, num lote com um polígono de implantação muito restrito. A nível orçamental, também tínhamos algumas limitações que não podíamos ultrapassar. Foi um projeto muito desafiante nesse sentido, porque, para mim, foi o primeiro projeto com o padrão Passive House e em LSF, algo que nunca tinha feito antes. No fundo é uma casa bastante pequena, o que permite controlar melhor alguns aspetos e cingir-nos ao essencial. Mas trouxe grandes desafios a nível de execução. Felizmente está a correr tudo bem e esperamos acabar muito em breve.
MG – Nesta altura, a casa já passou o Blower Door Test (ensaio de estanquidade ao ar) e falta apenas a formalização da certificação, correto?
MB – Sim, já passou o Blower Door Test, estamos em fases de acabamento e algumas coisas exteriores. Com muito esforço conseguimos ultrapassar essa fase que foi, sem dúvida, o momento mais tenso de todo o processo. Mas felizmente correu bem. Foi uma grandíssima alegria!
MG – Quais foram, neste projeto em particular, os fatores-chave para conseguirem atingir o padrão Passive House?
MB – Foram os pormenores. Uma casa LSF, à partida, pode parecer que, pelo facto de ter uma estrutura metálica, complica as coisas em termos de desempenho. A verdade é que tem algumas diferenças em relação à construção mais tradicional, mas isso também foi um grande desafio: elaborar uma solução construtiva que nos permitisse atingir esse nível de eficiência. No entanto, as próprias características dos perfis e da estrutura em si foram um verdadeiro quebra-cabeças para encaixar tudo, sobretudo, por exemplo, na questão do Blower Door e da camada estanque. Foi talvez o mais complexo, mas resultou numa grandíssima aprendizagem.
MG – Ser uma construção em LSF, um sistema cada vez mais usado mas ainda não tanto como a alvenaria tradicional, trouxe desafios adicionais, como, por exemplo, conseguir aplicar a regra do lápis?
MB – Sim, exatamente, pelo fato de serem muitos elementos. Não é como uma laje maciça que é contínua ou uma fachada feita em tijolo, o que poderia facilitar-nos a vida em determinadas questões. Aqui, esse foi um grande desafio: todos os pequenos pormenores de encaixe de todas as peças.
MG – Como é que ultrapassaram essa questão?
MB – Com muito cuidado e reflexão, com muitas fitas. Tivemos que pensar muito bem em como queríamos proceder. Como disse, foi uma grandíssima aprendizagem. Para a próxima, provavelmente, haverá coisas que faremos de outra forma. Mas, lá está, com muita dedicação, muita atenção ao pormenor e estando muito presente na obra. Só assim conseguimos. E mesmo assim, quando chega o momento de passar o teste, há sempre alguma coisa que nem imaginávamos que pudesse acontecer e acontece. Foi uma experiência de aprendizagem muito enriquecedora.
MG – Já mencionaste alguns fatores que é muito comum ouvirmos nas entrevistas com arquitetos e profissionais de outras áreas sobre a diferença que existe ao projetar e acompanhar uma Passive House. É um processo muito mais interdisciplinar, com atenção ao detalhe. Confirmas isso?
MB – Sim, sem dúvida nenhuma. Este tipo de obras tem que ser muito acompanhado, com atenção ao pormenor em cada detalhe – um canto de uma janela, uma porta, qualquer coisa. Tudo tem que ser muito bem pensado e acompanhado. Qualquer alteração tem que ser feita com muita cautela. Temos que ser extremamente rigorosos, ao milímetro.
MG – Sentiste abertura do outro lado, de quem estava a fazer a obra?
MB – Sim, muita. Felizmente, digo felizmente, porque faz toda a diferença trabalhar com quem está igualmente formado em Passive House, neste caso um Tradesperson. Temos outros projetos em conjunto e estávamos ambos muito cientes do desafio. Nesse sentido, foi muito fácil, porque estávamos os dois muito focados na mesma coisa.
MG – Relativamente aos teus clientes, eles já chegaram até ti a pedir um projeto Passive House? Já sabiam o que era? Como foi o pedido deles?
MB – Sim, eles já chegaram com a ideia de que queriam uma Passive House. De facto, chegaram até mim através do site da Passivhaus Portugal. É verdade que, por vezes, as pessoas chegam com um conceito muito geral, e depois temos que explicar melhor como tudo funciona, quais são os pormenores. Acho que há alguns medos ou receios comuns, como a questão de abrir janelas ou a ideia de que “isto é um bunker”. Essas são perguntas que se repetem praticamente em todos os clientes que têm o primeiro contacto com a Passive House. Mas, sim, já tinham noção do que significava este padrão e acompanharam a obra muito de perto, muito satisfeitos. Estão bastante contentes. Depois, vamos ver quando realmente estiverem a viver na casa. Essa é outra fase que também queremos implementar, ter uma monitorização, porque, como digo, esta é a nossa primeira experiência. Todos ao mesmo tempo vamos sentir o que é isso. Portanto, quando estiver acabada, vamos começar na fase de testes, por assim dizer.
MG – Sim, essa é uma vantagem e até uma garantia, uma segurança para quem projeta e para quem constrói. Este trabalho mais cuidadoso na execução, mas que depois permite monitorizar e perceber que realmente as coisas funcionam, acredito que essa seja a expectativa.
MB – Sim, exatamente, é testar e ver se realmente está tudo a funcionar como previsto. É verdade que há sempre uma questão, que é o próprio uso da casa, o dia a dia das pessoas, que, à partida, é impossível de controlar. Mas é importante verificar se realmente satisfaz o padrão de conforto, poupança energética, enfim, todas essas questões. Agora, quando acabarmos, queremos criar algum tipo de plano para monitorizar e ver se está a responder às expectativas, tanto dos clientes como às nossas.
MG – Voltando um pouco atrás, já falámos de como os teus clientes chegaram até ti. E tu, como chegaste à Passive House? Já mencionaste que foi em 2020 que te formaste como Passive House Designer. És arquiteta, como é que chegaste a este padrão e o que te atraiu inicialmente?
MB – Cheguei um bocado por acaso. Recebi um e-mail com publicidade e disse a uma colega: “Olha, vamos a isto?”, e ela respondeu: “Bora, vamos!”. Fomos à nossa primeira conferência e, a partir daí, decidimos que tínhamos que nos formar nisto, que era este o caminho que devíamos seguir. O que principalmente me atraiu foi precisamente essa visão mais completa, mais abrangente. Acho que isso também está relacionado com a nossa formação. A minha formação em arquitetura não foi em Portugal, foi em Espanha, onde temos uma formação que também inclui a parte de execução do projeto. Podemos fazer tudo, desde o projeto de arquitetura à execução. Portanto, eu já trazia um formato mental do que é um projeto e uma obra, e isto encaixava perfeitamente. Até porque eu já tinha trabalhado em certificações energéticas e auditorias energéticas em Espanha. Mas é verdade que as normas nacionais, tal como acontece em Portugal, promovem a eficiência, mas deixam de fora muitos detalhes que seriam fundamentais. Então, é esta forma de construir e de fazer as coisas com outra lógica, porque no fundo, não estamos a falar de um “bicho de sete cabeças”, de algo que seja completamente diferente. Temos é que saber o que estamos a fazer, escolher as coisas certas e a forma correta de executar. E ter em mente que as coisas são feitas de uma determinada forma porque existe um motivo que as sustenta.
MG – Há um rigor e uma razão objetiva para ser assim, não porque simplesmente apetece que seja assim.
MB – Sim, exatamente.
MG – Ainda que recente, já estás neste um percurso há algum tempo. Notas uma diferença no mercado, na procura, na forma como as pessoas chegam até ti?
MB – Sim, noto que as pessoas que me contactam já vêm com essa ideia, ou pelo menos, ainda que não tenham o mesmo nível de conhecimento, vêm com um interesse específico. Há pessoas, como esta cliente, que têm um nível de formação muito elevado, então, ela já procurou por conta própria, já investigou, já viu. Há outros que simplesmente ouviram falar ou conhecem o conceito. Mas, sim, noto um maior interesse, mesmo que não seja uma procura específica. Penso que há também algum receio, que talvez se deva às diferentes áreas do país. Portugal tem essa diversidade. Por exemplo, no Alentejo, ainda existe muita construção tradicional, que está muito enraizada. Há alguma resistência por parte de algumas pessoas, que ainda pensam que isto é uma “modernice”. Mas as pessoas que me procuram, ultimamente, vêm com este objetivo.
MG – E, quando procuram, o que é que as atrai mais? É a questão do conforto? A eficiência energética? O desempenho?
MB – Principalmente é a poupança energética e também o conforto. Os últimos contactos que tive com possíveis clientes mencionaram muito a questão do conforto, porque vivem numa casa de construção relativamente recente, mas sentem-se constantemente desconfortáveis, tanto no inverno como no verão. Portanto, sim, o conforto é algo que as pessoas estão a valorizar mais e a ter uma nova noção do que realmente significa.
MG – Para ti, qual é a palavra que define o padrão Passive House?
MB – Acho que, além de eficiência e conforto, é “futuro”. Depois de estar mais envolvida neste mundo da Passive House, acho que não faz sentido construir de outra forma. Porque, como digo, não são grandes diferenças em termos estruturais nem de materiais. Claro, a construção está a evoluir muito rápido, mas há coisas que estão ao nosso alcance. É saber fazer de outra forma e saber fazê-lo bem. E acho que, no cenário atual de alterações climáticas e preços da energia, faz todo o sentido e está completamente justificado. Acho que é o caminho.
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