A experiência que Márcio Dias Caleira trazia do centro da Europa não o fez hesitar na hora do regresso a Portugal: queria projetar e construir Passive House. Aliou a vontade à necessidade do mercado por projetistas e instaladores com experiência nos sistemas passivos. E desde então a vontade já se materializou num escritório e loja Passive House que acompanha vários projetos em todo o país.
Margarida Gamboa (MG) – Como é que a Passive House apareceu na sua vida?
Márcio Dias Caleira (MDC) – Conheço os conceitos passivos há muitos anos. Já em 2005, na França e na Suíça, trabalhava com o conceito Minergy, com o qual a Passive House tem semelhanças, e por isso este já me era muito familiar.
Em 2016 decidi regressar a Portugal. O meu choque quando cheguei foi que ninguém percebia nada do sistema, e quando falava com alguém toda a gente era prescritor, mas ninguém era instalador!
Percebi que não havia ninguém que fizesse o todo e a ligação entre as várias partes, essencial para o sucesso de um projeto Passive House.
MG – É essa ligação que também distingue construir no conceito Passive House?
MDC – Sem dúvida. A Passive House traz a obrigatoriedade do todo. Tudo tem de estar pensado e corretamente aplicado. E o grande desafio hoje em dia em Portugal é aplicar os materiais corretamente.
Então a Builders Passive, a empresa que criei dedicada à construção Passive House, desenha, prescreve e aplica. A partir daí montei o escritório e a loja que, claro, tinham de ser Passive House. Para além de todo o apoio técnico, temos um showroom, com grande parte das áreas importantes para a construção passiva (estanquidade, janelas, ventilação…).
MG – Mas em Portugal tudo começa com a construção da sua própria casa?
MDC – Foi a primeira que fiz cá em Portugal. Uma construção nova, em Mindelo (Vila do Conde).
Quando comecei a fazer a estrutura o empreiteiro só me dizia para dizer onde queria as coisas. Era uma fase em que fiz porque eu sabia, coordenei tudo, e apliquei uma parte também – pré-aros, sistemas de ventilação, etc.
Hoje tenho uma casa certificada e acho a certificação muito importante para se provar o conceito.
MG – E como é construir em Portugal?
MDC – Noto que ainda há várias mudanças que têm de ser feitas, sobretudo quando se fala do rigor de uma construção Passive House.
A primeira regra é andar em obra. O arquiteto, tal como acontece em França, para além de projetar, tem de coordenar a obra. Essa é a forma de saber o que está a ser feito, controlar todos os processos, corrigir situações que sempre surgem, garantir os processos mais delicados, como a estanquidade ao ar e a correção de pontes térmicas.
A segunda regra é ser organizado. Para se obter uma Passive House é muito importante ser rigoroso: fazer relatório fotográfico, seguir todo o processo, assinalar todas as etapas. E ainda se descura muito isso em Portugal, mesmo na construção tradicional.
MG – Que evolução se nota no mercado Passive House?
MDC – Nota-se muito diferença nos últimos anos. Assuntos agora muitos falados que eram completamente ignorados: pontes térmicas, estanquidade, ventilação…
O próprio cliente hoje é muito informado e começa a pedir para se corrigir. Os arquitetos também já fazem alguma abordagem. Diria que os pedidos chegam 60% por parte dos clientes e 40% dos projetistas.
MG – Dão também apoio aos arquitetos?
MDC – Sim, também sei o que é estar do outro lado, e não ter ninguém que saiba aplicar e que dê apoio. E hoje já tenho vários trabalhos que faço em parceria com outros arquitetos. Tem de ser um trabalho de equipa mesmo, isto é uma mudança de mentalidade que tem de acontecer.
Porque o problema do prescritor é sempre quem aplicar. E aqui levanta-se também a questão da formação. Hoje o trabalhador de obra já tem que saber mais tecnicamente.
MG – O futuro é Passive House?
MDC – Temos um problema energético para resolver e a forma mais fácil que existe para o fazer são os sistemas passivos. A roda está inventada… É aplicar!
O parque que se está a edificar atualmente é pior que o dos anos 80. Passa-se frio e calor em Portugal. Não é normal. Vemos exemplos de grandes envidraçados que não se sabe para que são. Não estão calculados para o sol que vão receber. Também temos de estandardizar mais: por exemplo, se há uma medida de janelas é igual para todos. Lá fora está mais padronizado e isso otimiza construções e permite construir com eficácia. Temos de passar para outro patamar!
É necessário encontrar um equilíbrio: ouvir o cliente, ter um budget a respeitar, mas deixar a casa eficiente.
Mas é importante também que se crie incentivos. Em França, por exemplo, quem constrói no sistema Minergy pode construir mais área. Imagine-se um construtor que está a fazer um prédio e pode assim fazer mais um ou dois fogos: está logo a rentabilizar investimento!
E acho que era isso que devia ser feito. Ter uma legislação que nos ajude.
Apesar dos desafios acredito que não demorará mais do que 10 anos para a Passive House ser uma norma adotada em quase toda a Europa.
Mais informação sobre o projeto da Casa de Moledo aqui.