Uma conversa com Ana Rute Costa, diretora da licenciatura em arquitetura da Universidade de Lancaster, em Inglaterra, e Certified Passive House Designer. Ela é a fundadora deste curso que integra, em todos os anos de ensino, os princípios Passive House, na teoria e na prática. Estará na 11ª Conferência Passivhaus Portugal 2023 para aprofundar e debater este tema.
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Margarida Gamboa (MG) – Como é que este curso está estruturado e como é que é introduzida a Passive House no curso?
Ana Rute Costa (ARC) – Como quase todos os cursos em Inglaterra há sempre 50% de projeto ao longo de curso, complementado pelas vertentes de construção, humanidades e a prática profissional. Estas três disciplinas dão informação ao projeto. Como Passive House Designer fiz questão de integrar no curso a forma como nós abordamos a Passive House desde o início.
No 1º ano damos a introdução dos princípios da Arquitetura Passiva, que não é apenas Passive House, e depois relacionamos com os princípios Passive House. Os alunos têm de desenhar uma casa, normalmente em contexto urbano, que tem sempre algumas condicionantes em termos de contexto. No final do ano atribuímos prémios, um deles chamado “Eco Design”, em parceria com uma empresa que é fornecedora de produtos para Passive House e tem uma componente forte de materiais naturais. Não sendo focado na Passive House alguns dos alunos acabam por aplicar logo os princípios básicos da Passive House porque sabem que vai ser um fator de valorização. Os comentários que temos recebido da empresa é que ficam muito impressionados com o nível que os alunos já têm sobre Passive House no 1º ano e como abordam o projeto. Paralelamente a isto, nos projetos de construção, mostramos muito os materiais disponíveis.
No 2º ano os alunos têm que desenhar um projeto de habitação. Aqui já abordamos a Passive House numa escala maior, onde discutimos as necessidades em termos de comunidade e como abordar as zonas comuns e as mais privadas. Eles desenham espaço de habitação mas há sempre espaços comuns ou co-housing envolvidos.
No 3º ano o projeto varia: têm um briefing mais aberto em que eles escolhem o tipo de edifício que vão propor para o terreno em questão. Neste caso eles têm de desenvolver o projeto de construção já muito relacionado com o projeto que estão a desenhar. Tenho vários alunos que no ano passado desenharam os edifícios deles a um nível Passive House. Depois em construção também lhes pedimos para eles abordarem vários aspetos da Passive House e verem qual o nível de performance dos edifícios. Por exemplo, no edifício deles têm de medir o form factor, calcular os u-values de todas as paredes, chão e janelas. Depois comparam os resultados obtidos com o nível Passive House.
Nós não obrigamos a desenhar Passive House mas o que eles desenham tem de ser sempre quantificado para perceberem em que nível se situam na regulamentação. Neste momento, em alguns países do Reino Unido, como na Escócia, já é obrigatório que todos os edifícios novos sejam Passive House standard. Nesse caso é bom que os alunos tenham uma noção do que eles têm de desenhar e quais são os requisitos.
No final de cada ano letivo temos uma Summer School, uma semana de atividades. Nessa semana os vários professores desenvolvem workshops, normalmente relacionados com os projetos que eles têm de investigação ou que têm a decorrer. São unidades verticais, os alunos estão agrupados por 1º, 2º e 3º ano, e depois temos vários professores a colaborar. Não sendo parte do currículo obrigatório a maioria dos alunos participam. Temos estado a desenvolver projetos relacionados com Passive House, por exemplo com um projeto didático que se chama o “Potato Challenge”.
Temos duas caixas: uma caixa bem isolada, com toda as fitas que garantem a estanquidade e o wind proof, e outra caixa mais ou menos normal, como se fosse uma parede de tijolo mais corrente. Depois temos duas batatas que vêm cozinhadas à mesma temperatura e vamos medindo a temperatura das batatas de meia em meia hora para perceber qual consegue manter melhor a temperatura. Utilizamos os materiais que normalmente se utilizam nas Passive Houses, as fitas e membranas, para eles se aperceberem como é que podem ou não criar uma caixa mais isolada.
Para o ano também estamos a desenvolver um workshop em parceria com a Passivhaus Trust, a empresa Ecological Building Systems e outras empresas parceiras a nível da Passive House. A ideia é construir uma série de maquetas à escola 1:1, com o detalhe da ligação das fundações com as paredes do canto da casa, uma das zonas mais difíceis de resolver.
Assim os alunos podem ver como é que se unem todos os materiais e como podem ter várias soluções técnicas para a Passive House. A ideia é desenvolvermos 3 protótipos destes para ficarem em exposição para os alunos terem mais contacto com a escala real.
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MG – Eles usam então programas de cálculo para os projetos?
ARC – Sim, não usam PHPP mas usam uma ferramenta que está online e que foi desenvolvida por um grupo de investigadores de uma universidade. Chama-se Zebra Tool . Usa os princípios básicos do PHPP mas é um pouco mais simples. Depois associa também alguns princípios de medição do carbono utilizado, para eles terem ideia dos materiais que estão a utilizar.
No 1º ano nós pré-preenchemos essa ferramenta para que depois os alunos só tenham de fazer o nível básico como, por exemplo, adicionar a localização do terreno, as condições atmosféricas e de temperatura. No 2º ano também pré-preenchemos mas eles têm que adicionar mais conteúdo. E no 3º ano têm de usar a ferramenta preenchendo desde a raiz e com os dados do projeto deles.
Não sendo tão desenvolvida como o PHPP dá-lhes uma noção de como é que uma ferramenta dessas pode ser utilizada também para informar o desenho. Por exemplo, perceber qual o tamanho de uma janela e o seu impacto em termos de ganhos solares. Se se pode reduzir e ter algum sombreamento, se precisam de ter em consideração se já existe sombreamento próximo. Ter um conhecimento melhor do contexto e de como o desenho é feito é uma das vantagens, o que resulta muitas vezes em alterações no projeto precisamente por causa dos resultados obtidos.
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MG – Para os alunos no Reino Unido é algo normal ter os princípios Passive House no currículo escolar?
ARC – Não é assim tão normal. Depende. São os próprios alunos que também pedem isso. No entanto há agora uma iniciativa nacional que começa em Setembro e que a partir daí as coisas podem mudar bastante.
É uma parceria criada entre o Passivhaus Trust no Reino Unido e o RIBA (Royal Institute of British Architects). A ideia deles é terem três cursos, um para cada ano, em que todos os alunos que estão a fazer a licenciatura de arquitetura têm acesso (pelo menos o 1º ano será gratuito). Esse curso está disponível em ambiente online e depois está acessível a todas as universidades que aderem ao projeto. Neste sentido, podemos dizer que a partir do próximo ano todos os alunos de 1º ano vão ter uma introdução à Passive House consistente em todas as universidades, atualizado a cada ano, e que garante que existe um nível de formação base, mesmo que os professores não tenham essa qualificação.
No 2º ano estão a propor fazer uma série de workshops. Gostavam que os alunos tivessem experiência prática com a Passive House e isso relaciona-se até com os projetos que estamos a desenvolver no Summer School.
No 3º ano será algo mais complexo. Por isso daqui a 3 anos, porque acho que a maioria das escolas vão aderir, porque não faz sentido não o fazer, o panorama já será diferente.
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MG – Estando integrada no meio académico e em Inglaterra já há alguns anos, como notas o crescimento da Passive House no Reino Unido? Em que ponto estão?
ARC – Acho que depende. Na maior parte dos casos a inovação e a implementação destas práticas está muito dirigida para o profissional que já está no terreno. A academia vai um pouco pelo que se passa na prática e isso é um pouco triste. É importante criarmos essas pontes e relações entre o que se faz na academia e a prática. Nós estamos a formar alunos para irem para a prática. E mesmo quem está na prática tem dificuldade em estar sempre atualizado. Então a universidade tem de estar atualizada.
Ultimamente no Reino Unido tem mudado bastante. Mesmo em Inglaterra, alguns municípios já estão a implementar a regra de que casas novas tenham de ser Passive House.
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MG – Achas que este tipo de abordagem académica faz sentido de implementar em Portugal?
ARC – Acho que quanto mais pontes criarmos entre a prática e a academia melhor. Provavelmente a educação em Portugal já mudou um bocado desde que tirei o curso mas uma coisa que se faz aqui (não sei se em Portugal já se faz também), é intercalar a teoria e prática: os alunos fazem três anos de licenciatura, vão um ano trabalhar, fazem dois anos de mestrado, depois prática novamente e, de seguida, o exame final. Esta questão de intercalar a academia e a prática acaba por ser muito rica, tanto para nós enquanto académicos porque sabemos que os alunos vêm com outro tipo de experiência, como para eles, que quando vêm para o mestrado já vêm com uma ideia de que tipo de arquiteto querem ser. Aí funciona bastante bem.
Outra coisa que se faz bem é a integração das “Professional Practices”, ou seja, é integrar questões da prática da profissão logo a partir do 2º ano. Por exemplo, regulamentos, restrições, etc. Depois no 3º ano fala-se também muito das responsabilidades éticas e sociais dos arquitetos, como é trabalhar em equipa, que arquitetos podemos ser no futuro.
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MG – E na Passive House existe muita a ligação com a saúde e a comunidade…
ARC – Sim, eles percebem logo que querem ser um arquiteto mais ligado às questões de sustentabilidade e eficiência energética. A percentagem de académicos a fazer o curso ainda é diminuta. Mas depois convidamos pessoas da prática para vir apresentar casos de estudo. Não é dizer que Passive House é solução para tudo mas tem, no mínimo, de ser considerado se queremos ter edifícios que possam responder à maior parte dos desafios da emergência climática.
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