Recebemos para falar connosco o Arq. João Pedro Quaresma, Certified Passive House Designer desde 2018 e também autor de projeto da mais recente moradia certificada Passive House, em Cascais. Com vários projetos neste momento a serem criados para atingir o padrão Passive House falámos sobre os grandes desafios, as diferenças de projetar Passive House e a o feedback que tem recebido dos seus clientes.
Margarida Gamboa (MG) – Qual é a diferença entre projetar Passive House e projetar uma não Passive House?
Arq. João Pedro Quaresma (JPQ): Uma das diferenças é a razão pela qual a norma Passive House me ensutiasmou… A Passive House obriga-nos a pensar o projeto com um todo: do princípio ao fim, ao mais ínfimo pormenor. E isso traz-nos muitas vantagens na obra.
Em muitos casos, ainda há o hábito em Portugal dos arquitetos serem relegados para 2º plano em obra, sendo muitas vezes o dono de obra ou o empreiteiro que tomam conta da obra, o que por desconhecimento leva a erros. Esta norma leva a um laço muito forte, desde o início do projeto até ao final da obra, com uma garantia de qualidade para o cliente e para o resultado final.
Essa é uma grande diferença: é impossível construir uma Passive House se não tivermos um controlo ao pormenor do princípio ao fim da obra. Esse processo resulta na qualidade.
(MG) Na fase de projeto, é mais fácil ou mais difícil?
(JPQ) Temos que ver o local, perceber o sítio, a orientação,… Essa parte é intrínseca e natural do arquiteto. Não existem muito mais preocupações a não ser, realmente, entendermos que pela norma temos aqui um balanço daquilo que é o comportamento da casa mais rigoroso, que nos obriga a pensar muito as questões dos ganhos solares e orientações solares. Precisamente para tentarmos otimizar ao máximo o inverno e o verão.
A construção teve sempre esta dicotomia verão/inverno para os arquitetos. Aquilo que nos permite também a Passive House é encontrarmos este equilíbrio entre a casa ser boa no inverno e no verão. Daí haver um acrescento a nível do conceito do projeto de pensarmos bem este estudo: como é que vamos orientar, onde é que vamos abrir os vãos envidraçados,… Questões essenciais para a Passive House. Tudo isso não limita em absolutamente nada a criatividade ou o programa que o cliente pretende desenvolver.
(MG) Já está ligado ao conceito Passive House há vários anos, numa fase em que o conceito não estava tão difundido. Como é que chegou à Passive House e o que é o atraiu inicialmente?
(JPQ) Ao longo da minha experiência fui-me debatendo sempre com algumas dificuldades: sermos sempre relegados para 2º plano em fase de obra ou pelo menos não termos uma participação muito direta. Lembro-me de que quando era estudante apenas 5 a 10% das obras em Portugal tinha projeto de execução. Essa, logo à partida, foi uma preocupação.
Depois, quando apareceu a eficiência energética em Portugal fui um dos primeiros peritos a entusiasmar-se com o tema. Sempre me interessei pelas questões bioclimáticas na arquitetura, a questão da orientação solar e questões energéticas. O feedback que eu tinha dos clientes era que as casas nem sempre correspondiam ao pretendido. E fui estudando o tema. Estive ligado ao Sistema Nacional de Certificação Energética, sendo perito, participei em todas as associações ligadas ao tema. E acabou por se perceber que este sistema era curto!
Não correspondia ao que eu pretendia. Os primeiros sistemas de certificação energética que apareceram em Portugal eram muito baseados em sistemas. Dizíamos, a brincar, que uma má casa que tivesse painéis solares dava A+, uma boa casa com sistemas elétricos era penalizada e caía em C! Tive casos desses, de projetos feitos com muito cuidado, que quando tiveram necessidade de fazer certificação energética tiveram más classificações. E o clique surgiu com um projeto específico…
Eu tinha feito todo o projeto e acompanhamento de obra. Todo o rigor daquilo que eu defendo. Foi feito, a casa foi construída, sendo que na altura não havia o Sistema Nacional de Certificação Energética. Entretanto, qual não foi a minha surpresa quando o cliente foi fazer a certificação energética porque precisava de vender a casa e ela obteve uma má classificação. Eu disse que aquilo não podia ser e que havia ali algo que não fazia sentido. O sistema agora mudou, tem ainda pontos para melhorar, mas está muito mais próximo.
Mas foi um clique, percebi que seguir a certificação energética não era suficiente. Entretanto, curiosamente através da ADENE, participei numa apresentação feita pela Passivhaus Portugal sobre a norma. Embora já tivesse ouvido falar foi nessa apresentação que resolvi fazer o Certified Passive House Tradesperson, numa primeira fase, e depois o Passive House Designer. E percebi que esta era uma norma onde a parte passiva é corretamente valorizada, num equilíbrio com os sistemas. O que não conseguimos resolver com a parte passiva, resolvemos então com os sistemas. Um equilíbrio que premeia a componente passiva.
(MG) No fundo, a norma Passive House foi o degrau adicional que não estava a encontrar…
(JPQ) Exatamente!
(MG) Tem agora inúmeros projetos que estão a avançar. Como é que tem evoluído esta procura de mercado pelo padrão Passive House?
(JPQ) Isso é uma vantagem também ao ter um trabalho focado na norma Passive House. Porque a maioria dos clientes que me procura são pessoas informadas, que também conhecem a norma Passive House. Contrariamente aos projetos “tradicionais”, onde muitas vezes temos o empreiteiro que não quer fazer porque não lhe convém, a minar a cabeça do cliente sobre determinadas sugestões que fazemos, este tipo de cliente é um cliente diferente. É um cliente informado.
Este cliente da moradia de Cascais, por exemplo, é um cliente português, mas muitos contactos ainda são de público estrangeiro, que têm um contacto direto com a Passive House, seja porque viveram numa ou porque estão em zonas onde o padrão está muito mais difundido do que nos países do Sul. Essa é uma vantagem: os clientes virem objetivamente, estarem informado. Às vezes aparecem clientes com informação deturpada sobre o que é a Passive House, porque infelizmente na internet há muita coisa errada sobre o que é a Passive House, vendida como Passive House que não é.
Mas de forma geral, o cliente que procura é um cliente informado e decidido.
(MG) E relativamente a todos os outros envolvidos que vamos precisar para a Passive House, de marcas e soluções, construção e instalação, também se notam diferenças?
(JPQ) Sim, a nível de soluções nota-se bastante. Não há dúvidas que utilizar soluções que são certificadas pela própria Passive House é uma vantagem em todo o processo. E nesse aspeto existem praticamente soluções para tudo. Encontro, por exemplo, dificuldades na questão de sombreamento, muito típica dos países do Sul. Porque temos de cumprir não só a norma Passivhaus mas a norma do sistema de certificação energética que exige estores e sombreamento. Talvez este seja o ponto onde eu ainda encontro dificuldades em encontrar a solução perfeita, numa zona sensível no processo de construção. Mas existe praticamente tudo e não é uma limitação.
(MG) Qual a palavra-chave que escolheria para destacar no padrão Passive House?
(JPQ) Vou dizer duas e depois, eventualmente, escolher uma. Uma é a eficiência energética porque se trata de uma casa verdadeiramente eficiente. A outra é o conforto. Isso é algo mais recente, que eu ainda estou a validar com os clientes e que demora tempo. Demora anos até percebermos o resultado do que projetámos com a toda a certeza e clareza. O conforto é mais uma questão de sensibilidade, enquanto a eficiência energética é uma questão técnica, que se traduz nas faturas pagas ao final do mês.
Nesta casa certificada em Cascais, por exemplo, sente-se perfeitamente a qualidade do ar e a temperatura. Até o silêncio dentro destas casas que também é um conforto. E nesta casa os clientes já me transmitiram a satisfação que têm da temperatura ser sempre constante e da qualidade em que vivem. Essa é a parte que é difícil termos contacto direto mas que se comprova depois e é muito relevante. O conforto é algo subjetivo, e o desconforto é mais claro. Esta é a uma mensagem difícil mas muito importante de transmitir: Se calhar, uma casa eficiente energeticamente que não seja Passive House, não vai responder a tantas necessidades: sendo eficiente, não transmite o mesmo tipo de conforto. É o tal degrau de que falámos no início.